O século XX marcou uma mudança definitiva no campo da arquitetura, à medida que o movimento modernista rompeu com os estilos tradicionais de construção e encorajou a experimentação e inovação. Com a ajuda de novos materiais e tecnologias, essa época representa um momento crucial na história da arquitetura, já que tanto as cidades quanto as técnicas de construção evoluíram em um ritmo sem precedentes. No entanto, muitas estruturas – que até hoje permanecem como testemunho – estão perto de completar cem anos de idade. O design austero dessas estruturas nem sempre são acolhidas pelo público, enquanto os princípios funcionalistas muitas vezes dificultam a adaptabilidade dos seus espaços interiores. Considerando que muitas vezes ocupam posições centrais dentro da cidade, há uma pressão crescente para demolir essas estruturas e reconstruir essas áreas completamente.
Estruturas modernistas são frequentemente vistas como rígidas, ao mesmo tempo futuristas e ultrapassadas, e não estão de acordo com os padrões modernos de eficiência energética e conforto. Além disso, estão em uma posição intermediária: muitas vezes não são antigas o suficiente para serem consideradas monumentos, mas também não são novas o suficiente para serem vistas como úteis para a cidade. Todos esses argumentos contribuem para a pressão em favor da demolição, apesar do entendimento intrínseco de que 'o edifício mais sustentável é aquele que já existe'.
O processo comum de preparação para a demolição não faz muito para mudar essa mentalidade. Com o principal propósito de assegurar a segurança da demolição, ele geralmente se concentra em aspectos superficiais, como a condição física do edifício, enquanto negligencia o valor intrínseco, qualidades intangíveis e as histórias que estão enraizadas na estrutura desses prédios. A possibilidade e viabilidade de reformar e adaptar essas estruturas para padrões modernos raramente são consideradas, já que a documentação está focada em preparar a demolição e não em questioná-la. No entanto, tanto arquitetos quanto uma parte do público estão em busca de um processo de seleção mais criterioso.
Salvando Mäusebunker: um novo procedimento modelo
Os laboratórios de animais da Universidade Livre de Berlim, também conhecidos como Mäusebunker, seriam demolidos em 2020. Construído entre 1971 e 1981 pelos arquitetos Gerd und Magdalena Hänska, essa impressionante estrutura brutalista serviu como centro de pesquisa para medicina experimental até 2010. No entanto, a proposta de demolição do prédio foi feita como parte de uma tentativa de renovar e modernizar o campus. Essa decisão enfrentou resistência de arquitetos e do público em geral, pois dois outros edifícios brutalistas dentro do mesmo complexo, o hospital e o Instituto de Higiene e Microbiologia, já eram considerados monumentos modernos.
O Escritório Estadual de Monumentos de Berlim contribuiu para os debates ao tornar público o resultado de uma nova análise, denominada "Modellverfahren Mäusebunker". A pesquisa foi conduzida em colaboração com a Charité University Medicine e o Departamento de Desenvolvimento Urbano, Construção e Habitação do Senado, com o objetivo de avaliar o prédio em termos de sua utilidade e potencial futuro. Essa abordagem interdisciplinar representa uma mudança em relação ao processo típico de preparação para a demolição. Ela destaca a importância histórica dos elementos únicos do edifício, como o complexo sistema de ventilação visível do lado de fora, enquanto também considera a imagem do prédio, uma vez que um edifício altamente reconhecível pode tornar os usos futuros mais atraentes para o público.
Esse processo enfatizou a importância do Mäusebunker em seu contexto mais amplo, como um símbolo do compromisso com o progresso científico que moldou a arquitetura pós-guerra e o planejamento urbano na Alemanha. A arquitetura experimental brutalista agora é vista como parte de uma identidade cultural específica. Além disso, especialistas exploraram o potencial do "retrofitting" como uma alternativa sustentável para conservar recursos. A análise também considerou a viabilidade da estrutura e possíveis usos futuros, procurando entender como uma nova função poderia ser compatível com as estruturas existentes.
O Mäusebunker nos faz questionar: como devemos lidar com edifícios altamente especializados dessa época, considerando que anteriormente presumimos, de forma equivocada, que energia e recursos eram abundantes? - Christoph Rauhut, chefe do Escritório Estadual de Monumentos de Berlim, em entrevista para o Tagesspiegel
No planejamento urbano, estudos de viabilidade são frequentemente empregados para analisar uma proposta e determinar a viabilidade real da implementação do projeto, levando em consideração aspectos técnicos, administrativos, legais e financeiros. Esse novo método segue a mesma lógica, mas o aplica à viabilidade de reutilização de uma estrutura já existente.
Graças a esses esforços conjuntos, o Mäusebunker agora recebeu o status de monumento protegido. O Escritório Estadual de Monumentos de Berlim determinou que os antigos laboratórios poderiam ser transformados em um espaço cultural de uso diversificado, incluindo cafés, salas de eventos e várias atividades comerciais, mantendo sua identidade cultural. Contribuindo para essa discussão, a ERA Architects mostrou como é possível adaptar edifícios para atender aos modernos padrões de eficiência energética sem realizar alterações significativas em sua estrutura externa de concreto.
Além do resultado positivo relacionado ao Mäusebunker, todo esse capítulo demonstra a viabilidade do procedimento modelo experimental, que foi planejado para se tornar o procedimento padrão do Escritório de Monumentos. Esperamos que ele sirva de exemplo para outras administrações locais responsáveis pela preservação do patrimônio.
Compreendendo o potencial das estruturas existentes
A opção de reutilizar e adaptar edifícios tem múltiplas vantagens. Além de garantir a continuidade da identidade cultural do local, também conserva a energia e os materiais já utilizados e limita a necessidade de consumir novos recursos, tornando-se a opção mais sustentável na maioria dos casos. Esse conceito é conhecido como “energia cinza”, um termo que se refere à soma de toda a energia necessária para produzir um produto. A energia primária utilizada durante a construção representa uma grande parte do consumo total de energia do edifício ao longo de seu ciclo de vida, com materiais como o concreto contribuindo com quantidades significativas de CO2 necessárias para a produção. No entanto, as estruturas de concreto sólido têm vantagens para a reutilização, já que suas estruturas podem suportar grandes intervenções.
Os edifícios existentes são o material de construção de amanhã. Valorizar o que existe não é uma atitude conservadora, mas sim um método (muitas vezes esquecido) de continuidade e enriquecimento. Baseia-se numa filosofia de cuidados e muitas vezes é muito mais responsável economicamente. - Anne Lacaton
Exemplos de silos e bunkers de concreto reformados demonstram que a criatividade e a liberdade de design podem surgir a partir de estruturas existentes. Entre 1973 e 1975, Ricardo Bofill transformou uma antiga fábrica de cimento em La Fàbrica, um complexo de moradia e trabalho que se tornou um de seus projetos mais conhecidos. Um projeto de conversão semelhante foi realizado entre 1977 e 1986 em São Paulo pela arquiteta Lina Bo Bardi, resultando na Fábrica da Pompéia, um grande exemplo de conversão pós-industrial e um modelo de arquitetura brutalista. Recentemente, a transformação do Studio Thomas Heatherwick do Complexo de Silos da Cidade do Cabo no Museu de Arte Contemporânea Zeitz demonstra mais uma vez a qualidade e complexidade dos espaços que podem resultar da integração e reutilização de estruturas existentes.
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